Todo início de ano, uma leva de obras de autores e autoras entra em domínio público. Em 2025, os principais destaques são Oswald de Andrade, Getúlio Vargas e Roquette-Pinto – os dois últimos foram também membros da Academia Brasileira de Letras (ABL), que ainda tem outros de seus imortais passando agora à mesma situação: Cláudio de Sousa e Celso Vieira. Com informações do site Publishnews.
A Lei de Direitos Autorais Brasileira (Lei 9.610/98) estabelece que os direitos patrimoniais do autor sobre suas obras perduram por 70 anos, contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. Após o prazo, as obras podem ser utilizadas por qualquer pessoa, independentemente de autorização por parte dos titulares dos direitos patrimoniais.
“A existência de um prazo específico estabelecido em Lei para o autor exercer o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras busca garantir um equilíbrio entre o interesse privado do autor de explorar a suas criações intelectuais de um lado, e o interesse público do acesso à cultura e à informação em benefício do desenvolvimento cultural da sociedade de outro lado”, explica o advogado e presidente da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), Dalton Morato.
Diferente do que aconteceu no ano passado com Graciliano Ramos, porém, este ano ainda não há grandes movimentações das editoras para a publicação de obras de Oswald de Andrade, expoente do modernismo brasileiro, pelo menos por enquanto. Além da Ocupação, em cartaz no Itaú Cultural em São Paulo até o dia 25 de fevereiro, o maior projeto por enquanto é a publicação da biografia Oswald de Andrade: Mau selvagem (Companhia das Letras), de Lira Neto, prevista para o início de fevereiro. A editora vinha publicando a obra de Oswald de Andrade nos últimos anos – o lançamento mais recente foi Ponta de lança, uma reunião de seus artigos jornalísticos.
“Neste mergulho radical na trajetória de Oswald de Andrade, Lira Neto explora as muitas contradições da personalidade do polêmico biografado: blasfemo e temente a Deus, burguês e comunista, apaixonado e adúltero. O escritor genial, autor de romances experimentais e poemas revolucionários, exibia comportamento ao mesmo tempo febril e sentimental, amoroso e explosivo. Pensador vigoroso, usava a violência verbal e o sarcasmo como armas contra o conformismo intelectual. Era, acima de tudo, um personagem de si mesmo”, diz a sinopse do livro. De acordo com a editora, a obra é respaldada em vasta pesquisa em arquivos, incluindo cartas, diários e manuscritos, e revela que Oswald não se restringiu ao papel de ativista do modernismo, mas propôs uma “crítica feroz ao patriarcado e antecipou premissas do que hoje se costuma definir como decolonialidade”.
Em entrevista ao Estadão no final de dezembro, o biógrafo lembrou que “o próprio Oswald, em algum momento da vida, respondendo por que as editoras não lançavam grandes tiragens de seus livros, comentou que sua obra era muito experimental, portanto, limitadora de vendas”.
Outro projeto é da Editora Unesp, uma edição comemorativa e centenária de Pau Brasil, livro de estreia do escritor em que ele busca realizar as ideias propostas no manifesto de mesmo nome publicado em 1924, um ano antes do lançamento dos poemas. A nova edição tem coordenação da professora universitária e pesquisadora do modernismo Gênese Andrade. Editora e pesquisadora também viram agora no início do ano uma edição de textos de Oswald traduzidos na Argentina: o volume El arte del Centenario y otros escritos saiu pela Eudeba.
“Oswald de Andrade entrou e saiu de todas as estruturas do século XX e as fez explodir”, comenta ao PublishNews o escritor, cantor e compositor Mariano Marovatto, autor de A guerra invisível de Oswald de Andrade (Todavia, 2023). O livro é um ensaio-reportagem sobre aspectos da vida do escritor modernista.
“Inclusive aquelas que não viveu, como o próprio Tropicalismo de Caetano que parafraseio. E não falo apenas do espectro da antropofagia. Oswald também foi simbolista, modernista, liberalóide, comunista, futurólogo, sociólogo, poeta imenso, artista e político acima de tudo. Irônico, doce e violento, foi o ponto de convergência do Brasil do século XX. Ainda que não responda objetivamente à atual demanda da luta ecológica, feminista, queer, trans, indígena, diaspórica e antirracista (não há intelectual do século passado que o seja plenamente), sua sabedoria anticapitalista e decolonial é incontornável diante do antropoceno, governado pelas big techs, em que vivemos. É necessária a reimpressão integral das obras de Oswald de Andrade”, avalia Marovatto.
Getúlio Vargas
Nome central da história do Brasil, o ex-presidente Getúlio Vargas foi também membro da Academia Brasileira de Letras, eleito em agosto de 1941 e recebido em 1943, durante a ditadura do Estado Novo. Sua obra literária compreende discursos de natureza política em sua maior parte, que vieram a ser reunidos, muitos sem autoria definida, nos volumes A nova política do Brasil, cujas primeiras edições foram publicadas pela José Olympio a partir de 1938. Em 1995, Siciliano e FGV lançaram uma edição dos seus diários – o conteúdo dos manuscritos também entra agora em domínio público.
Roquette-Pinto
Edgar Roquette-Pinto era médico legista, professor, antropólogo, etnólogo e ensaísta, nascido no Rio de Janeiro (RJ), em 1884. Em 1912, ele fez parte da Missão Rondon e passou semanas em contato com os nambiquaras, na região em que hoje é o estado de Rondônia. Ele levou para o Museu Nacional, no Rio, material etnográfico e como resultado da viagem publicou, em 1917, o livro Rondônia: Antropologia etnográfica, reconhecido no cânone da antropologia brasileira. Nesse campo de estudos, ainda publicou Ensaios de antropologia brasileira (1933) e Estudos brasilianos (1941).
Foi também diretor do Museu Nacional, e fez parte do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade de Geografia, da Academia Nacional de Medicina e de outras associações culturais, nacionais e estrangeiras. Ele também é conhecido por ser o fundador da radiodifusão no Brasil e patrono da comunicação pública.
Outros nomes
Outra obra que passa ao domínio público é a do também membro da Academia Brasileira de Letras, Cláudio de Sousa – médico e teatrólogo, autor de peças como como Flores de sombra (1916) e O turbilhão (1921). Desde os 16 anos colaborador da imprensa carioca, escrevendo também sob os pseudônimos Mário Pardal e Ana Rita Malheiros, foi professor de medicina e escritor. Em 1913, estreou na prosa de ficção com o romance Pater, bem recebido pela crítica, e suas peças de teatro tiveram êxito com sucessivas representações.
Iniciador do “teatro ligeiro de comédia”, segundo a ABL, ele também publicou antologias de suas conferências e livros com impressões de viagem. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras por duas vezes, em 1938 e 1946, e no ano do cinquentenário de fundação da ABL, promoveu as solenidades comemorativas e editou o volume ilustrado Revista do Cinquentenário. Foi o fundador, em 1936, e o primeiro presidente do Pen Clube do Brasil.
O biógrafo, ensaísta e historiador Celso Vieira (1878-1954) – mais conhecido por sua produção biográfica e por ter exercido diferentes cargos no governo (tanto no Rio como no seu estado natal, Pernambuco) – também tem sua obra agora em domínio público. Ele também fez parte da ABL, eleito em julho de 1933, na sucessão de Santos Dumont.
Exploração comercial das obras
Uma dúvida que vem à tona nessa época do ano é a seguinte: se uma obra não tem direito autoral, por que e como empresas (editoras) podem se utilizar dela comercialmente? Quem explica é Dalton Morato, da ABDR:
“Quando uma obra está em domínio público, ela pode ser utilizada, publicada, ou reproduzida por terceiros independentemente da autorização do titular do direito patrimonial até então existente. As editoras poderão fazer novas edições de obras em domínio público e, assim, incentivar o desenvolvimento educacional do país e garantir uma maior circulação de obras culturais. É importante destacar que uma obra pode estar em domínio público, mas a sua tradução (em caso de obra estrangeira) ou a sua edição feita por uma editora recentemente ainda podem gozar de proteção autoral, o que demandaria uma autorização prévia e expressa por parte do tradutor e da editora para a obra ser utilizada por terceiros”.
*Com informações do site Publishnews.