Na produção literária da Amazônia, Belém se afirma como um polo criativo, onde versos e narrativas traduzem a essência e a complexidade da região. Nesse contexto, a Editora Valer — com o lema “Publicando as Amazônias” — cumpre um papel essencial ao promover e preservar essa diversidade cultural. Há mais de três décadas, a editora transforma em livros as vivências e histórias amazônicas, oferecendo ao mundo registros do cotidiano e da identidade de quem é ribeirinho, indígena, quilombola, urbano ou caboclo.
Para Caio Matheus, escritor e professor de redação e literatura, também atua no Centro de Mídias da Educação Paraense, na Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC), a literatura reflete diretamente a cultura na qual está inserida, sendo um reflexo das vivências e do olhar dos autores sobre seu entorno.
“A produção literária atual paraense tem se expressado de maneira cada vez mais diversa, em diferentes formatos e temáticas”, afirmou o educador.
Ele destaca que, ao longo do tempo, a literatura do Pará deixou de ser limitada por estereótipos regionalistas e hoje se apresenta em uma gama mais ampla, abordando tanto questões sociais quanto elementos mágicos e fantásticos.
Caio também observou que a relação dos leitores paraenses com as obras locais tem se tornado uma experiência mais enriquecedora. “Quando lemos um texto literário que apresenta contextos familiares às nossas vivências enquanto nortistas, como nossa culinária, nossos rios e costumes, isso torna a leitura muito mais enriquecedora”, acrescentou, dizendo que a identificação com o texto fortalece a conexão do leitor com a obra, tornando a experiência literária mais profunda e singular.
Entre os principais nomes dessa produção literária, destaca-se o poeta e escritor João de Jesus Paes Loureiro, autor de obras que buscam revelar a alma da Amazônia. Com publicações como ‘Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário’, ‘Andurá: Onde Tudo é e Não é’, ‘O Caminho das Palavras – Uma Iniciação Poética ao Poema’, ‘O Rei e o Jardineiro’ e ‘Triádicos: Poesia em Pequenas Formas’, Paes Loureiro constrói um diálogo entre o real e o imaginário amazônicos.
Em sua escrita, temas como amor, existência e a própria vivência da floresta aparecem como arquétipos, narrando a complexidade de quem vive na região, cercado por rios, sabores, saberes e o temor de que a floresta se torne uma mera lembrança.
Identidades amazônicas
Segundo Paes Loureiro, o cotidiano amazônico influencia permanentemente seus poemas, porque buscou trabalhar entre a poesia, a existência e a vida que se vive aqui. “A poesia é uma forma de encantamento do mundo através do verso; uma maneira de compreender poeticamente a realidade”, acrescentou.
A inspiração de Paes Loureiro vem de uma vida inteira imersa na cultura e natureza da Amazônia. Nascido em Abaetetuba, uma cidade ribeirinha no interior do Pará, ele sente que suas raízes são a ‘semente das árvores’, que dão forma aos seus trabalhos literários.
“Essa identificação continuada tem me permitido não só registrar memórias pessoais, mas também memórias coletivas, vivências que o povo ribeirinho tem,” afirmou o escritor.
Essa abordagem, entre o infinito do poema e a realidade que o inspira, permitiu ao poeta eternizar as nuances culturais e históricas da Amazônia, uma região que, por muito tempo, permaneceu isolada e agora enfrenta pressões externas.
“A poesia tem esse papel de primeiro de revelação, de registros, depois da imaginação poética a partir dessa documentação, torna uma forma de história, de se manter pela sensibilidade e pela reflexão, mas também de manter, confirmar, traduzir, registrar, perenizar essas nuances históricas que a região contém”, acrescentou Paes Loureiro.
Essa autenticidade não passou despercebida e ganhou reconhecimento em escolas e eventos culturais pelo Brasil. “Tenho meus poemas trabalhados em escolas do Pará e da Amazônia, além de outras partes do Brasil e até fora do país, através de contadores de histórias, poesia falada e outras formas de divulgação”, comentou o poeta.
Desafios e saberes
A professora e pesquisadora Violeta Refkalefsky Loureiro, autora do livro ‘Caminhos e Descaminhos da Amazônia’, publicado pela Editora Valer, possui uma trajetória de vida intimamente ligada à região amazônica. Nascida no antigo território federal de Romaria nos anos 40, ela cresceu imersa nos desafios e na riqueza da Amazônia, o que, desde cedo, despertou seu interesse por entender a realidade dessa região.
Ela contou que quando começou os estudos, ainda jovem, realizava longas viagens pela Amazônia, atravessando de Boa Vista até Manaus, de Manaus até Belém, e, por fim, de Belém ao Rio de Janeiro. Essas viagens eram realizadas a bordo de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), permitindo-lhe conhecer, de forma precária, diversas comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. Na época, a pesquisadora não tinha plena consciência do impacto dessas vivências em sua formação acadêmica, mas, com o tempo, percebeu a importância desses momentos para seu desenvolvimento intelectual e científico.
O convívio com as populações amazônicas e as questões que envolvem a região despertaram em Violeta uma inquietação, que a motivou a estudar as disparidades sociais e as dificuldades do desenvolvimento da Amazônia.
“Sempre me inquietei com algumas questões, e para mim nunca fez sentido que a Amazônia, com a natureza mais rica do planeta, tivesse pobreza e até miséria”, compartilhou a professora.
Além das questões sociais, Violeta também desenvolveu um respeito profundo pelo conhecimento ancestral dos povos da Amazônia, especialmente o saber popular dos indígenas e ribeirinhos. Em sua infância, ela foi testemunha do uso de medicamentos naturais provenientes da floresta por sua família, o que a levou a refletir sobre a subestimação desse conhecimento por não se enquadrar nos padrões da ciência tradicional.
“Sempre admirei esse conhecimento, mas me espantava que ele fosse subestimado, como se fosse um saber sem importância, simplesmente por não ser científico”, lembrou a pesquisadora.